Lendo a Bíblia Hoje

A Bíblia é, para nós, um livro sagrado, sim! Registros de pessoas sobre as manifestações de Deus na história da humanidade. No Novo Testamento, temos os registros da vida de Jesus, seus ensinamentos e a história de seus apóstolos e seus feitos. Há uma coisa que precisa ser sempre lembrada, contudo, na leitura da Bíblia: o seu contexto histórico! É fundamental identificarmos o que há de “humano e cultural” nos registros sagrados, para que consigamos extrair a verdade maior contida da primeira à última linha de seus livros: o amor.

Livros escritos por homens, que viveram num tempo determinado, numa cultura patriarcal, onde – dentre outras coisas – mulheres e crianças não tinham lugar na sociedade. No Antigo Testamento, esse traço cultural e histórico é mais claro, assim como a linguagem metafórica de alguns textos. Sabemos que uma interpretação é necessária. Já no Novo Testamento, há o risco da leitura literal. Por que risco? Porque não podemos nem devemos fazer uma leitura “ao pé da letra”, desconsiderando que foram textos escritos por homens que viveram numa cultura androcêntrica, num tempo específico da história.

Sabemos que a grande mensagem de Jesus é o Amor. Seu maior mandamento é “Amai-vos uns aos outros”. Sabemos que os textos do Evangelho, Atos dos Apóstolos e Cartas foram todos escritos por homens, assim sendo, sob seu lugar, sob seu olhar para os acontecimentos diversos. Garimpar as leituras, tirando o que há de precioso nelas, sua essência, e compreendendo o que existe de influência cultural é o que nos faz encontrar o sagrado e entender o que precisamos entender para sermos pessoas melhores.

Existem textos mais simples, mais claros e mais focados no que é essencial, por isso são atemporais. Prescindem de uma “decodificação”. Entretanto, existem outros textos que, mais de 2000 anos depois, se lidos da forma como foram escritos, podem ter sua mensagem totalmente distorcida. Diante dessa diversidade, penso que, sobretudo no que diz respeito ao lugar da mulher e suas relações, os liturgistas deveriam evitar de incluí-las em celebrações de amplitude maior, como as missas. Por que digo isso? Porque em nem todos os lugares em que as liturgias chegam, existem pessoas com condições de trazer esses textos para a realidade de hoje.

Ressaltar a submissão da mulher ao homem, a necessidade que tenha uma postura de serviçal diante de seus maridos, como alguns textos trazem – se lidos “ao pé da letra” – pode ser uma forma de reforçar a cultura machista, que menospreza as mulheres e as faz vítimas de crimes horríveis que, muitas vezes, chegam a termo justamente pela submissão e silêncio da mulher.

Muitas mulheres fizeram parte da história do cristianismo, desde Maria, mãe de Jesus, e Maria Madalena. Muitas outras deixaram suas marcas, mas essas marcas foram deixadas de lado devido aos registros do Evangelho e demais textos do Novo Testamento terem sido feitos por homens. A Igreja de Jesus Cristo, que o Papa Francisco tem evocado em todos os momentos, é a igreja do Amor, da igualdade, do respeito mútuo, onde todos têm seu espaço de fala e de ação.

Nesse início de milênio, tempos em que feminicídios são crescentes, em que uma contracultura volta a pregar o machismo, é fundamental que coloquemos foco e luz nas palavras de Jesus que enxergam, homens e mulheres, como protagonistas de suas vidas, prezando pelo amor e pela liberdade. Aqueles textos que precisam de um interlocutor para fazer a explicação do contetxo histórico e cultural em que foram escritos, sobretudo aqueles que podem ser interpretados sob o olhar machista, deveriam ser evitados na liturgia. Sabemos que o fundamentalismo distorce as mensagens e precisamos ser muito cuidadosos com a forma com que esses conteúdos chegam nos corações de quem mais precisa.

E nós, pessoas que não fazem parte da estrutural clerical da Igreja, mas que sentimo-nos apóstolos e apóstolas de Jesus, o que temos a fazer diante dessa questão?

Renata Vilella, setembro/2021

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